segunda-feira, 15 de junho de 2015

Para o meu pai


Se há alguém com razão para odiar homens, essa seria eu. E mesmo assim ando aqui feita parva e feminista a lutar pelos vossos direitos enquanto tal.
Dizes que não sou fácil. Como querias que fosse fácil com um passado como o meu? Gostas de pegar no teu passado para te desculpabilizares, para te fazeres de vítima. Mas todas as más consequências que tiveste foram fruto das tuas, e apenas tuas, escolhas. E, mesmo assim, não sabes lidar com elas. Pior é quando os teus problemas, o que te limita, são fruto das escolhas de outros, de quem estás dependente. Não te queixes quando tiveste a liberdade para cometer os teus erros e a liberdade para acatares com as suas consequências. As consequências das tuas escolhas, não dos outros.
Não estiveste presente, mas não cresci sem pai, no entanto. Tive duas figuras paternais que, sei hoje, foram fulcrais para o meu processo de crescimento e de socialização. Estiveram presentes quando tu devias ter estado. Não tive falta de amor e por isso estou grata.
Foi preciso teres voltado para descobrir a metade de mim que faltava. Faltava, não – ela sempre lá esteve -, eu é que não sabia da sua existência. Foi preciso teres voltado para descobrir uma família nova que, apesar da sua ausência, gosta de mim e me acolhe e me faz sentir bem. Foi preciso teres voltado para descobrir a outra versão da história, uma versão mais real mas mais bonita do que a que me era contada. E por isso estou, também, grata. Grata por ter descoberto o que me faltava, grata por saber de onde vim. Porque só quando sabemos as nossas origens podemos saber para onde vamos.
Mas por muito que tentes, por muito que te esforces, nunca vais ser meu pai, verdadeiramente. Perdeste essa oportunidade quando me viraste as costas, quando era mais difícil educar-me, quando era mais difícil ser pai. Decidiste voltar quando era tudo mais fácil, para tranquilizar a tua consciência, provavelmente.
Por uns tempos, fizeste-me acreditar que tinhas mudado e muitas vezes dei por mim a defender-te, a defender as tuas razões, que pensei serem mais nobres do que realmente eram.
Prometeste. Prometeste, mas não cumpriste.
Sei que já estou habituada, ou deveria estar, a promessas não cumpridas. Sei que muitos me vêem como forte e por isso a mágoa que me causam parece ter mais legitimidade – “ela é forte, ela aguenta”. O problema é que não sou tão forte quanto me pintam e tenho as minhas fragilidades – muitas. Estou cansada de me fazer de forte, de aguentar, de encarar os problemas de frente e com sarcasmo e, quando dou por mim sozinha no meu quarto, chorar – chorar tudo, chorar o desespero, o cansaço, a mágoa, a desilusão.
Por isso, não me prometas mais nada. E não esperes mais de mim. A meu tempo, quando conseguir esquecer, irei ter contigo. Mas lembra-te: nunca serás para mim o que deverias ter sido.

Eu sou para os outros o que os outros são para mim.

M.

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