quinta-feira, 18 de junho de 2015

Esquecimento Eterno

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"Tu és pó". O pó preocupa muitas donas de casa desesperadas, mas esse é o menos importante. Refiro-me ao pó situado sete palmos abaixo de terra. Um misto de ossadas, com matéria orgânica não decomposta (maravilhas da química...!), envergando um fato e gravata, ou um vestido bonito para cobrir a barriga, (porque pode ser complicado vestir as costas de um corpo congelado na morgue, principalmente se este tiver sido obeso) deitado confortavelmente numa caixa de madeira forrada, situado no seu lote da Quinta das Tabuletas. Hoje, o "pó" intrigou-me a mim.
Os cemitérios nunca tiveram significado para mim. Pelo menos nunca tive receio de seres cuja vida já terminou. Mas o acaso e a circunstância levam-nos a situações que podem não ser novas, mas que despertam novas maneiras de pensar.
Olhei em redor, e pensei no que aquele local esconderia, e no que significa para todas as pessoas que se ocupam em preenchê-lo de flores. Em concreto, para as pessoas que não se limitam a lá ir anualmente no "dia que os demónios escolheram para se relembrar dos nefilins seus filhos, mortos no dilúvio'' (dia de Finados) ou colocar flores de plástico, quase tão eternas quanto o descanso da pedra da lápide, a menos que o vento as leve para uma campa alheia.
Quando dei por mim, já não estava em cima do saibro que envolve todo o lugar. Estava a andar em cima duma pedra rectangular, rente ao chão. Tinha algumas letras, mas eram ilegíveis. O que quer que aquela pessoa tenha sido, já não passava duma pedra velha e desgastada, com um 'psicopata' vivo a caminhar em cima.
Onde se lê saudade em todas as outras campas, naquela só poderia estar escrito esquecimento. Bom, talvez ninguém pudesse cuidar daquela campa.
Cada uma é embelezada da sua maneira, flores, cruzes, lápides, pedra bonita... Menos aquela. Pedra velha e dura, razando o nível do solo, com musgo velho a cobrir uma qualquer inscrição. Enquanto, quem olhasse, poderia ler cada frase de cada uma das outras sepulturas, ali estava, perante mim, uma que mais ninguém quis ler...  Tudo o resto começou a parecer fútil. Flores de plástico. Restos de vela. Palavras bonitas como...todas as outras.
Por momentos, aquela simples pedra, era a única que senti que não estava vazia. Mesmo que já ninguém saiba, mesmo que mais ninguém se importe, mesmo que ninguém a veja, coberta por musgo, e escondida no seio de todas as lápides que emergem do saibro, está lá a pedra. Com algo escrito, que ninguém sabe o quê. Apenas espero que não seja mentira.
Quando a minha vez chegar obviamente não me vou importar com nada disto. Se me importasse, de certeza que escolheria algo simples. Como uma pedra plana. E com algo que não fosse mentira. Não gostaria, por exemplo, que me escrevessem 'Eterna Saudade'. Seria mentira. Uma completa mentira.
Poderia até haver quem tivesse saudades, o que duvido. Mas de uma coisa não tenho dúvidas, até mesmo aqueles que escrevessem 'Eterna Saudade', haveriam de se esquecer. Nem que fosse no dia da sua chegada à Quinta das Tabuletas. E, mais tarde ou mais cedo, seja numa sepultura de uma pedra rasa, ou não; legível, ou com musgo, a única coisa que será eterna, será o esquecimento.
FF

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